As Sombras do Iluminismo: Crueldade e Ignorância Persistente

 

Foi um filósofo, matemático e físico francês que participou na edição da Encyclopédie, a primeira enciclopédia publicada na Europa.
Jean le Rond d'Alembert foi um filósofo, matemático e físico francês que participou na edição da Encyclopédie, a primeira enciclopédia publicada na Europa.


O Iluminismo foi um movimento intelectual que surgiu no século XVIII e buscou promover a razão, a ciência e a liberdade como forma de superar a opressão e a ignorância da época. No entanto, apesar dos avanços no pensamento e na tecnologia, o ideal do Iluminismo não se realizou. Isso se deve ao fato de que, na visão de alguns intelectuais, o avanço do conhecimento e da tecnologia não foi suficiente para tornar a humanidade mais ética.

A falta de compreensão sobre a natureza humana foi apontada como uma das principais razões para o fracasso do Iluminismo. Eis, pois, nossa tese basal: todos os fins da cultura são egoístas, pois fazem parte dos fins da natureza. Além disso, a ideia de que a grande maioria das pessoas tem prazer na crueldade e na maldade, nosso pressuposto tirado das relações mais simplórias e banais, verificado na carne e no sangue, é, portanto, uma barreira para a realização do ideal do Iluminismo.

Os intelectuais do Iluminismo não previram esses obstáculos (porque compreenderam tais fenômenos noturnos como expressão da ignorância e nada mais!), o que resultou em uma incompreensão da natureza das massas. Mesmo assim, os intelectuais dos países latinos ainda buscam, em alguma medida, explicar nossa deplorável realidade, com o objetivo de manter o projeto do Iluminismo em ação. No entanto, se o ser humano se apresentar como o problema fundamental da sociedade ainda assim no futuro, a única opção seria retornar a uma perspectiva dogmática, ou pelo menos não otimista, que tem até mesmo caráter conformista.

Infelizmente, o ideal do Iluminismo não se realizou na totalidade. Embora tenhamos avançado muito em termos de tecnologia e conhecimento, ainda persistem muitos problemas sociais, políticos e éticos que afetam a humanidade de maneira negativa. Além disso, a razão e a ciência por vezes são utilizadas de maneira equivocada e não têm sido suficientes para solucionar todos os problemas do mundo, mostrando, portanto, suas insuficiências.

Ao mesmo tempo, o avanço tecnológico, produto da Revolução Industrial e do Iluminismo, não se traduziu necessariamente em um avanço ético. Muitos dos problemas enfrentados pelo mundo atual, como o aquecimento global, a desigualdade econômica, o conflito armado e o terrorismo, são resultado da falta de ética e da busca insaciável pelo poder e pelo lucro. Além disso, a tecnologia por vezes é utilizada para fins opressivos e prejudiciais à liberdade e à privacidade das pessoas.

Nesse contexto, talvez devamos nos perguntar sobre o papel da natureza e do espírito humano nisso tudo. A natureza é uma parte fundamental da vida humana, e a pergunta sobre seus fins é uma questão antiga e complexa. Desde tempos antigos, filósofos, cientistas e teólogos têm tentado compreender o propósito da natureza, e várias teorias diferentes foram propostas ao longo dos anos.

A pergunta sobre seus fins é importante, pois poderia explicar algo sobre o problema elevado, isto é, o problema do mal e do sofrimento.

Embora estritamente não possamos dizer que os fins da natureza são egoístas, posto que a natureza não tem consciência nem desejos e, portanto, não pode ser classificada como egoísta ou altruísta, e que a natureza simplesmente existe e segue as leis da física, da química e da biologia que governam seu comportamento, ela em boa medida participa da crueldade à medida que é cega. Ou seja, a natureza não é dotada de regras para além de si, mas ela mesma produz por autogênese todas as coisas e, assim, expressa-se como potência impertinente.

O que vemos, ao visar a intersecção do humano em sua conjugação com a natureza, é que no plano social há no homem uma grande predisposição à atitude cruel, antissocial e má que, no entanto, apesar disso, está em oposição às normas sociais, parecendo assim indicar uma outra origem. 

Ora, tal indisposição social às regras segue, porém, o modus vivendi da natureza da natureza e, assim, vemos que o humano procura imitar em si a Natureza. A procura, portanto, em nosso compreender, por poder é nada mais que retorno à natureza. Assim, o humano, não sendo natureza, passa, contudo, a imitá-la, mas o fazendo egoisticamente.

Assim, embora a cultura possa, conforme a mesma, ter fins altruístas e egoístas, eu trato de a pensar como mais orientada ao egoísmo.

Algumas pessoas argumentam que a cultura é motivada por interesses egoístas, como o poder, a riqueza e a satisfação pessoal. De acordo com essa perspectiva, a cultura é vista como um meio pelo qual as pessoas buscam satisfazer seus desejos e necessidades pessoais, ao invés de buscarem o bem-estar da sociedade como um todo.

Por outro lado, outras pessoas argumentam que a cultura é motivada por valores mais elevados, como a justiça, a igualdade e a solidariedade. De acordo com essa perspectiva, a cultura é vista como um meio pelo qual as pessoas buscam promover o bem-estar da sociedade como um todo, ao invés de buscarem exclusivamente seus próprios interesses.

Assim, supondo que os fins da cultura sejam altruístas, sobretudo quando vivemos numa época profundamente egoísta, suponho que o egoísmo não seja determinação da cultura. De maneira que a crueldade tenha como origem algo ligado à natureza, compreendendo pela mesma tudo que é basilar e condicionante dos demais processos, isto é, natureza como potência. Por não compreender isso que os iluministas fizeram o cálculo errado, isto é, pressupõem que o mal, a ignorância, a superstição é por acaso e produto da ausência de conhecimento apenas.

Os iluministas não compreenderam a natureza humana! Ou seja, a natureza humana como natureza segunda que, a partir da Natureza, retorna à mesma por imitação ou, ainda, por inspiração. Logo, dado que o humano é expressão segunda da natureza, tomada nesse conceito, a qual não expressa uma verdade, mas uma metáfora, o iluminismo não compreendeu que o humano não deixará um prazer ou gozo pela consciência ética, se tiver de escolher uma delas.

A questão sobre se a maioria das pessoas tem prazer na crueldade. Alguns argumentam que as pessoas são naturalmente inclinadas a sentir prazer na crueldade, enquanto outros argumentam que a crueldade é algo que as pessoas aprendem a gostar ou, ainda, se aliam por fatores outros tais como estresse, frustração e condição psicofísica.

De acordo com a primeira perspectiva, há uma componente instintiva e primitiva da natureza humana, assim como sua predileção pelo prazer imediato, que leva as pessoas a sentirem prazer na crueldade. Esses argumentam que o prazer na crueldade é uma forma de demonstração de poder e dominação, que tem raízes profundas na evolução humana. Além disso, alguns outros argumentam que o prazer na crueldade está relacionado ao prazer no mal e na carnalidade, o que sugere que as pessoas podem sentir prazer em coisas ruins ou violentas, independentemente de seus efeitos sobre os outros.

Por outro lado, outros argumentam que a crueldade é algo que as pessoas aprendem a gostar, e não é uma característica inata da natureza humana. Esses argumentam que a crueldade é resultado de circunstâncias sociais e culturais, como a influência de grupos ou mídia, ou a falta de empatia ou compaixão. Além disso, eles argumentam que as pessoas podem ser ensinadas a ser mais compassivas e a evitar a crueldade, independentemente de sua inclinação natural.

Assim, os pensadores do Iluminismo pensaram o problema do mal e do sofrimento em sua maior complexidade e não previram que a grande maioria das pessoas seria como demônios. Ou seja, agiriam de modo profundamente violento (nem tanto fisicamente, mas moralmente), sobretudo no que toca à exclusão social. Assim, devido a uma falta de compreensão da natureza da natureza, do espírito humano e dos fenômenos de massa a se efetivarem no século XIX. Até hoje, os intelectuais dos países latinos ainda procuram explicar essa realidade, com o objetivo de manter o projeto do Iluminismo em ação, pois eles não veem outra opção diante da contradição, da violência, do cinismo, da exclusão, da ignorância que reafirmar, de algum modo, o pensamento como saída. Se, no futuro, o ser humano se revelar como o problema fundamental da sociedade (algo que só poderá ser verificado em um ou dois séculos), então talvez a única opção seria retornar a uma perspectiva dogmática de mundo; ou seja, a de que não há avanço na história do espírito humano.

 

Thiago Carvalho

16 de março de 2024

Campos-RJ


Mais informações: 

Cultura como Cortina de Fumaça: O Encobrimento dos Fins Naturais

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