Estética da Crueldade

A palavra "estética" tem suas raízes no grego "aisthesis", que denota "sensação" ou "percepção", referindo-se assim à experiência sensorial de beleza e arte. Por outro lado, "crueldade" provém do latim "crudelitas", ligado a "crudus", significando "cru" ou "sangrento", descrevendo a disposição de causar sofrimento a outros seres. A estética da crueldade evidencia a atitude impiedosa frente ao outro, revelando-se em uma lógica de imagem. Este fenômeno está intrinsecamente ligado às relações sociais contemporâneas, onde "estética" abrange toda a esfera da aparência, incluindo vestimenta, marca, status nas redes sociais e outros aspectos visuais. Historicamente, o status estava associado a estruturas de poder como aristocracia e clero, mas com o declínio dessas estruturas em prol da sociedade baseada no trabalho e na renda, houve uma democratização dos valores, embora isso também tenha sido acompanhado por uma certa diluição dos mesmos.

Por "democrático", queremos dizer uma sociedade fundamentada em princípios universais de igualdade. No entanto, essa igualdade é principalmente jurídica, embora tenha se tornado um valor crucial em nosso horizonte de valores. As pessoas que vivem hoje são herdeiras não da classe dominante do passado, mas sim dos plebeus de épocas anteriores. Como herdeiros da plebe, os indivíduos de hoje almejam status, riqueza e poder. Antigamente, lutavam contra os sistemas de opressão social e de castas em busca de uma sociedade mais justa, engendrando valores democráticos. No entanto, paradoxalmente, hoje, mesmo endossando valores democráticos, em certa medida, perpetuam o oposto.

Nossa sociedade contemporânea é inegavelmente moldada pela cultura da imagem e do espetáculo. Vivemos em uma era onde a percepção pública muitas vezes supera a realidade subjacente. O foco predominante não está na verdadeira essência das pessoas ou eventos, mas sim na construção de uma imagem que possa ser apresentada de forma favorável ao público. Nesse cenário, a ética muitas vezes é relegada a um segundo plano em prol da projeção de uma imagem idealizada. 

É importante destacar que a busca pela aceitação social e pelo reconhecimento público pode levar as pessoas a adotarem comportamentos contraditórios em relação aos seus valores pessoais. Por exemplo, indivíduos podem agir de forma desonesta ou até mesmo violenta em suas vidas privadas, mas optar por exibir uma imagem de harmonia e felicidade em suas redes sociais. Isso sugere que a autenticidade muitas vezes é sacrificada em favor da construção de uma narrativa que se alinhe com as expectativas sociais.

Além disso, o advento das redes sociais e da cultura da exposição virtual ampliou ainda mais essa dinâmica. Pessoas com recursos financeiros limitados podem recorrer a estratégias de estilização e apresentação cuidadosamente elaboradas para criar a ilusão de uma vida de luxo e opulência. Nesse contexto, a validação social é muitas vezes medida pelo número de seguidores, likes e comentários positivos que uma pessoa recebe em suas postagens, em vez de sua integridade moral ou realizações reais.

Essa ênfase na imagem sobrepuja não apenas a sinceridade individual, mas também distorce a percepção coletiva da realidade. A sociedade da imagem cria um ciclo de idealização e comparação constante, alimentando a ansiedade e a insatisfação entre seus participantes. Ao mesmo tempo, perpetua um padrão de superficialidade e ilusão que mina os valores fundamentais de autenticidade e empatia.

A alusão ao espetáculo na contemporaneidade revela uma dinâmica onde a relevância se desloca do conteúdo para a mera visibilidade. Neste contexto, eventos trágicos e dramas pessoais são transformados em espetáculos midiáticos, onde a audiência é atraída não pela profundidade ou significado intrínseco, mas sim pela simples exposição pública. Desde os incidentes mais comoventes até os mais sórdidos, todos competem pelo mesmo espaço na arena digital, onde a audiência voraz busca incessantemente por entretenimento instantâneo, muitas vezes à custa da empatia e da compaixão.

O que torna essa conexão entre espetáculo e crueldade ainda mais perturbadora é a tendência das pessoas em encontrar prazer no sofrimento alheio. Ao invés de se sensibilizarem com as dores e dificuldades enfrentadas por outros, muitos se regozijam com o infortúnio alheio, transformando o sofrimento em mero entretenimento. Essa falta de empatia é alimentada pela cultura da imagem, que valoriza a projeção de uma falsa imagem de sucesso e felicidade, muitas vezes em detrimento da verdadeira compaixão e solidariedade.

Ademais, a construção de uma imagem pública tornou-se um escudo sociológico, onde a percepção social muitas vezes prevalece sobre a realidade individual. Por exemplo, alguém pode ser moralmente questionável, mas se for habilmente categorizado como membro de uma determinada comunidade religiosa ou se possuir status e riqueza, pode escapar das críticas e repercussões de seus atos. Da mesma forma, indivíduos sem escrúpulos morais, mas com influência e poder financeiro, são frequentemente aceitos e até mesmo aclamados pela sociedade.

No cerne desse fenômeno está a crença equivocada de que a imagem externa é mais importante do que a essência interna. Assim, as pessoas são incentivadas a cultivar uma persona superficial e desprovida de autenticidade, visando obter reconhecimento e aceitação social. No entanto, esse caminho traz consigo um fardo pesado, pois a busca incessante pela imagem perfeita e pela validação externa pode levar à alienação, solidão e vazio interior. Portanto, é crucial repensar nossos valores e prioridades, buscando uma sociedade onde a verdadeira essência das pessoas seja valorizada e celebrada, em detrimento da mera aparência e status superficial. A sociedade da imagem, paradoxalmente, também gera invisibilidade. 

O invisível é tudo aquilo que, de certa forma, não se encaixa no paradigma estabelecido. Esse paradigma é uma ordem social marcada por valores secularizados e fundamentada na imagem e na crueldade. Por exemplo, se alguém não é considerado bonito, não está bem vestido ou não possui recursos financeiros atrativos, tende a ser relegado à invisibilidade. Ser invisível é uma das partes menos violentas da nossa época. Os invisíveis são, principalmente, os pobres e os desfavorecidos. Pessoas que não se encaixam nos padrões estéticos e financeiros são rapidamente deixadas à própria sorte, mesmo enquanto se frequentam igrejas ou lutam por causas sociais, como a crueldade animal ou humana, nos movimentos vegetarianos ou veganos, por exemplo. Da mesma forma, enquanto as mulheres combatem o machismo e a misoginia entre si, cada uma enxergando apenas o seu lado, as coisas permanecem como estão, sem uma perspectiva justa e equitativa.

Nesse contexto, podemos estabelecer uma simples equação: visibilidade é igual à imagem e poder, enquanto invisibilidade é igual à imagem e despossuídos. Aqueles que não têm presença imposta, renda ou outras características semelhantes são rapidamente marginalizados. Isso é tão comum quanto o peixe no mar.

Portanto, a sociedade contemporânea é profundamente influenciada pela cultura da imagem e do espetáculo, onde a percepção pública muitas vezes suplanta a realidade subjacente. Nesse contexto, a busca pela aceitação social pode levar as pessoas a adotarem comportamentos contraditórios em relação aos seus valores pessoais, sacrificando a autenticidade em prol de uma imagem idealizada. O advento das redes sociais intensificou essa dinâmica, onde a validação social é medida pelo engajamento virtual, em detrimento da integridade moral. Essa ênfase na imagem distorce não apenas a sinceridade individual, mas também a percepção coletiva da realidade, alimentando um ciclo de idealização e comparação constante. A alusão ao espetáculo revela uma tendência preocupante de encontrar prazer no sofrimento alheio, alimentada pela cultura da imagem, que valoriza a projeção de uma falsa imagem de sucesso e felicidade. Ademais, a construção de uma imagem pública muitas vezes serve como um escudo sociológico, onde a percepção social prevalece sobre a realidade individual. No cerne desse fenômeno está a crença equivocada de que a imagem externa é mais importante do que a essência interna, levando à alienação e vazio interior. Essa cultura da imagem também gera invisibilidade para aqueles que não se enquadram nos padrões estéticos e financeiros estabelecidos, marginalizando os desfavorecidos e perpetuando um ciclo de exclusão. Tudo isso está enraizado em um mundo de pura aparência, profundamente individualista e egoísta, onde a estética da crueldade está a serviço da produção de sofrimento mental. É crucial repensar nossos valores e prioridades, buscando uma sociedade onde a verdadeira essência das pessoas seja valorizada e celebrada, em detrimento da mera aparência e status superficial. Este é um desafio urgente em uma era marcada pela superficialidade e futilidade, onde a autenticidade e a compaixão são frequentemente sacrificadas em nome da busca por reconhecimento público e aceitação social.


Thiago Carvalho
14 de março de 2024

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