UM POUCO DE PLATÃO – Pílula filosófica
I – Mito da caverna
Platão descreve que alguns homens, desde a infância, geração após geração, em
situação de aprisionados em uma caverna. Neste lugar, não conseguem se mover em
virtude das correntes que os mantêm imobilizados. Virados de costas para a
entrada da caverna, veem apenas o seu fundo. Atrás deles há uma parede pequena,
onde uma fogueira permanece acesa. Por ali passam homens transportando coisas,
mas como a parede oculta o corpo dos homens, tudo o que os prisioneiros
conseguem ver são as sombras desses objetos transportados. Essas sombras
projetadas no fundo da caverna são compreendidas pelos prisioneiros como sendo
tudo o que existe no mundo [e corresponde, portanto, ao mundo físico, isto é, material
ou sensorial].
Certo dia, um dos prisioneiros consegue se libertar das correntes que o
aprisionava. Com muita dificuldade, ele busca a saída da caverna. No entanto, a
luz da fogueira, bem como a do exterior da caverna, agride os seus olhos, já
que ele nunca tinha visto a luz.
O ex-prisioneiro pensa em desistir e retornar ao conforto da prisão a qual
estava acostumado, mas gradualmente consegue observar e admirar o mundo
exterior à caverna. Entretanto, tomado de compaixão pelos companheiros de
aprisionamento, ele decide enfrentar o caminho de volta à caverna com o
objetivo de libertar os outros e mostrar-lhes a verdade.
No diálogo, Sócrates propõe que Glauco, seu interlocutor, imagine o que
ocorreria com esse homem, em seu regresso. Glauco responde que os outros,
acostumados à escuridão, não acreditariam no seu testemunho e que aquele que se
libertou teria dificuldades em comunicar tudo o que tinha visto. Por fim, era
possível que o matassem sob a alegação de perda da consciência ou loucura [em
Heidegger corresponde a pensar a facticidade, isto é, ao mundo dos fatos
sedimentados como verdades pré-críticas].
II – Consequências
O presente mito diz que há uma dupla realidade. O mundo do ser verdadeiro,
simbolizado pelo sol que se encontra após saímos da caverna; assim como o mundo
da aparência, isto é, o mundo humano e em geral marcado pela valorização do
imediato, físico, concreto em detrimento ao ideal.
Cada instância – real ou aparente – comporia oposições fundamentais de
realidade.
O mundo ideal – isto é das formas perfeitas presentes em nossa razão – seria o
verdadeiro mundo porque toda nossa compreensão, assim como nossa possibilidade
de existir concretamente, adviriam dos paradigmas desse mundo eterno, atemporal
e formal. Enquanto o mundo sensorial – ou seja, imediato – não deixaria de ser
real. No entanto, real no sentido fraco. Porque não poderíamos compreender-nos,
nem ao outro, nem ao mundo apenas tendo o imediato como base. Esse mundo
sensorial é o mesmo do animal bruto. Ele se reduz a ação-reação, causa-efeito,
estímulo-resposta.. Ora. Isso não é suficiente.
Faz-se, assim, para Platão necessário explicar a diferença entre mundo
inteligível e sensível.
Por inteligível se compreende o mundo da inteligência, da formalidade, da
ideia, do pensamento, enquanto o mundo sensível é o mundo da aparência, do
corpo, das sensações.
III — Doutrina das ideias (eidos em grego)
Como o mundo material é dinâmico, e o mundo da ideia estático, Platão procura
explicar aquele por meio desse. Em Platão a matéria é organizada pelos eidos,
isto é, formas eternas subjacentes à realidade material. Sua doutrina, assim,
procura explicar não apenas o movimento dos corpos e dos entes como também
procura explicar a razão das coisas.
A primeira grande questão, na base de sua exposição, é a noção de substância.
Não se pensa aqui em substância material —por exemplo, como a de um perfume ou
composto químico —, mas sim numa substância, isto é, numa “coisa” que se altera
sem alterar sua natureza (essência). Diz Platão que há algo que recebe e
modifica algo, mas ela mesma não se altera definitivamente. Talvez a
palavra-chave seja pensar na substância platônica como radicalmente resiliente.
Que consiste, em mecânica, na propriedade que alguns corpos (isso, porém no
plano concreto) apresentam de retornar à forma original após terem sido
submetidos a uma deformação elástica. Assim como um corpo – por exemplo, um
metal – pode voltar a sua forma anterior após uma deformação, igualmente a
substância após sofrer deformação volta a ser o que era. Não importa quanta
“pancada” sofra.
A substância —numa outra perspectiva – funciona assim como uma plataforma de
petróleo no mar. Como sabemos, a plataforma é construída para resistir às
forças do vento e das águas, de modo que seus pés são móveis. Contudo, capazes
de mover-se sem, porém, desequilibrar a plataforma. Na mesma, tudo se passa
como se não houvesse choques.
Platão, assim, quer mostrar que só podemos compreender os fenômenos da physis –
isto é, da natureza – caso nós tenhamos princípios metafísicos. Nada
ganha inteligibilidade, isto é, compreensibilidade, sem a adoção de princípios
não materiais. A matéria, portanto, é carente de razão.
IV – O movimento
Embora nos pareça óbvio pensar o movimento, ele já causou muita dor de cabeça
nos filósofos. Alguns chegaram a dizer que o movimento não existe. Que seria
apenas uma ilusão da matéria. Porque não está inscrito no ser. Visto que o ser
é imóvel.
Platão resolveu isso dizendo que o movimento dos corpos só pode ser
compreendido caso pensemos em algo assim como os corpos – inclusive a nós
mesmos – como orientados no mundo a um destino ético.
De certo modo, mover é passar de um estado A para outro, um estado B. Nascemos
num mundo de ignorância e de aparência, mas somos destinados pela Ideia de Bem
e de Belo a “evoluir” espiritualmente. Tal evolução tem por ponto de chegada –
o final do trajeto – o desenvolvimento da alma, a procura pela verdade, o
exercício do bem e da justiça em nós e nos demais.
V – A Ideia de Bem
A ideia de Bem em Platão é fundamental por conta de
seu papel na sua teoria das formas ou das ideias.
Poderíamos, assim, chama-la de manager, isto é, de
uma ideia que cuida da organização ou que agencia as demais. Em analogia à
computação, poderíamos dizer que o Bem é como um sistema operacional cujos
demais programas rodam dentro dele. Ou ainda como uma bússola que orienta as
demais.
Imagine, amigo, um trono. Nele se senta o Bem. Ao redor, seus súditos, estão as
demais Formas ou Ideias. O Bem, portanto, seria a Ideia Fundamental. Ela dá
orientação às demais ideias. Os fenômenos da natureza, por exemplo, o sol, a
terra, a água, o ar, o raio e o trovão, assim como as estações do ano, a
fertilidade das plantas e dos animais, enfim, tudo o vemos está afinado – em
consonância – ao Bem. Todos nós procuramos o nosso bem! Não apenas nós
procuramos o melhor para nós, mas cada planta e animal procura o mesmo para si.
Nenhum animal procura comer algo ruim para si. Nem se agredir. Até mesmo o
instinto de conservação é expressão do Bem. Os entes, assim, assim como as
Formas Eternas estão alinhadas ao Bem. Este, portanto, une a multiplicidade. Ou
seja, o mundo vegetal, animal e humano são unidos num só horizonte: o Bem.
Portanto, tudo que existe, existe no horizonte do Bem – isto é, se orienta pelo
mesmo.
O bem, portanto, é a causa final – o destino de tudo que é.
No entanto, não podemos naturalmente pensar assim! Tal noção é conquistada a
partir do Logos. Ou seja, do Pensamento. Somente a razão poderia nos dizer como
funcionam as coisas, os entes e os seres. Nisso nos revelando a sua razão de
ser – sua finalidade ou “destino”.
VI – A Ideia de Belo
O Belo é parte fundamental do processo de compreensão do Bem.
O Belo significa aquilo que é a justa medida (nem mais nem menos), a harmonia e
a ordem interior do ser. Aquilo que é (o ser) se orienta pelo Bem assim como
Belo. Portanto, contém em si a finalidade da existência, assim como é marcado
pela harmonia fundamental.
Nesse sentido, o Belo é o caminho que nos conduz ao Bem.
Nos conduz ao Bem à medida que o Belo nos mobiliza a agir em conformidade à
virtude.
Por virtude se quer dizer várias coisas! Primeiro, o oposto ao vício, isto é,
aos defeitos de personalidade. Segundo, a virtude significa algo assim como o
desenvolvimento das faculdades cognitivas, intelectuais e morais do homem. Num
terceiro momento significa o ato de saída do concreto, material, rumo a uma
verdade fundamental. Nos orienta, portanto, a sair do espaço ôntico rumo ao
ontológico, isto é, ao ser. Ao sairmos do mundo da aparência de beleza
rumo a Beleza em si. Nos mobiliza à transcendência. Num movimento ascendente de
procura pelo Amor. Saindo, assim, do âmbito sensorial de Eros para seu aspecto
transcendental. — Platão, portanto, pensa num processo de sublimação. Do
escoamento da libido do mundo sensível ao mundo último e fundamental: mundo da
Ideia Eterna ou das Formas.
VII – Conclusão
Sair da caverna é, pois, ascender do mundo horizonte ontológico, assim como do
mundo sensorial ao mundo da inteligência, assim como da temporalidade à
eternidade, assim como da aparência à realidade. Em sentido de realizar no
homem seu destino ético, isto é, de evoluir espiritualmente através de um
movimento sucessivo e gradual de desenvolvimento de seu caráter.
Thiago Carvalho,
21 de janeiro de 2023
Campos-RJ
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