Eu e o Outro: Uma Exploração Psicológica da Identidade

 



Chales Taylor


Exploração Psicológica da Identidade

            Eu e o Outro

Então, há o eu psicológico, conhecido como ego, que é expresso como uma autoridade que, de certa forma, me constitui, pois é parte desse outro que adquiro identidade, nome, relações parentais, geográficas, e assim por diante. Além disso, existe também a necessidade de reconhecimento do valor próprio nessa relação com o outro.

Quando digo "eu", estou me referindo a todo aquele que não é outro. Da mesma forma, quando digo "outro", refiro-me a todos aqueles que não sou eu. Assim, na base da constituição do psiquismo ou da identidade está essa diferença entre mim e o outro (aliás, é importante mencionar que isso está na raiz dos erros e males de primeira ordem, que levam à violência).

Sem essa relação entre mim e o outro, não haveria razão ou motivo para qualquer tipo de violência, pois é através da percepção dessa diferença que se estabelece uma identidade, criando, por consequência, a base lógica para o surgimento da discórdia. Em contrapartida, a concórdia já está presente quando não há essa percepção de diferença.

Alguns mestres hindus, indianos e estudiosos de mitologias mundiais apontam que essa relação e diferença entre mim e tudo o que é outro constituem, de certo modo, uma espécie de cisão primitiva da consciência, que originalmente era una com a natureza. Essa cisão resultou em uma espécie de neurose, onde a mente criou essas diferenças, que se expandem cada vez mais para outros campos, como as diferenças de classe, de valor e de gênero.

Em outras palavras, essa cisão em algum momento da psique resultou em certas diferenças que se manifestam nas diferenças sociais, socioeconômicas e de gênero, as quais, por sua vez, alimentam circuitos neuróticos. O psiquiatra americano Trigant Burrow faz essa relação entre cisão e classes sociais, diferença de gênero, etc., como algo que está na base de qualquer tipo de mal-estar psicológico, afirmando que toda neurose tem origem social, sendo, na verdade, uma "socióse".

            O reconhecimento

            Na Psicologia, assim como através da Filosofia, sabemos que o eu ― essa consciência de si mesmo ― não se forma do puro nada. No entanto, é antes construído por relações objetais, pela experiência existencial e, assim, na vida social. São as nossas primeiras experiências com o seio materno, assim como os objetos, entre estes os brinquedos, que aliado à experiência social ― sobretudo parental ― nos constituem enquanto entidade dotada de identidade. A partir disso, portanto, somos alguém ― temos um nome, um local geograficamente situado a qual nos filiamos, aprendemos sobre o mundo e construímos um projeto de vida. Isto é, o querer ser alguém ― por exemplo, o querer construir uma família, ter dada religião e, por fim, entre outros, trabalhar com algo.

Nesse contexto, estamos dizendo que o outro é fundante de nossa identidade.

            Como, porém, o outro nos constitui?

            Hegel responde através do conceito de reconhecimento.

            Taylor destacou-se dentro da Teoria do Reconhecimento seguindo a definição de reconhecimento feita por Hegel. Considerado um precursor da ideia, o canadense defende que a luta por reconhecimento teria caráter intersubjetivo, ou seja, seria construída em cima de um reconhecimento mútuo. A falta desse reconhecimento levaria ao aprisionamento e à redução das identidades, tornando as pessoas inautênticas.

            Antes, iremos regredir, voltaremos às noções básicas para que o parágrafo acima se torne compreensível.

            Nascemos como que destinados à felicidade ― em Hegel, porém, tal impulso é um pouco diferente da de Weil. Nascemos, na realidade, a procura por transcendência em nossa manifestação existencial. Significa isso que nascemos como entidades desejantes. No entanto, não, originalmente, como desejantes de algo específico, tal como aqueles motivadores primordiais ― isto é, orientados em si mesmos por saber, por ter, por prazer, por poder; mas que estes são, contudo, modos de auto-realização.

            À medida que somos constituídos, formados, nosso impulso à integridade de si mesmo se depara com a realidade imediata. No qual nunca somos fora de nós como nos vemos ― nossa autocompreensão é finita e, porém, nesse impulso à integralidade, procuramos o infinito. Somos, assim, desde já e sempre confrontados com nossa existência, isto é, com nossa manifestação mundana. Onde nosso impulso é confrontado com nossa representação social. Nem sempre, portanto, há congruência entre o que vejo de mim e o que sou ou, ainda, tenho real possibilidade de vir-a-ser.

            Nesse contexto, o problema do reconhecimento não é apenas filosófico, mas se expressa enquanto fato social ― isto é, questão intersubjetiva (no qual meu ser está sempre em jogo frente aos demais). Meu ser não é expressão de meu pensar - não posso, portanto, recolher-me em um casulo e, assim, por autoafirmaçao constante, dizer-me o que sou para além do meu mundo.

            A formação de si mesmo é, pois, consubstancial na realidade exterior ― inclusive, as relações ambientais (além das relações interpessoais, sociais e parentais).

“O que sublinha essa noção de alcance extremamente amplo de integridade é a preocupação hegeliana com o destino. A oposição aparentemente mais intransponível de todas é a que existe entre a ação e destino, entre aquilo que os seres humanos fazem deles mesmos e que tem um certo significado para eles, de um lado, e, de outro, as coisas aparentemente sem sentido que acontecem com eles, dentre as quais a morte é culminância última. Hegel não se dará por satisfeito enquanto esse dualismo não for superado, e é essa aspiração que o empenho pela integridade reflete” (TAYLOR, 1975).

               O problema do reconhecimento é pertinente às questões psicossociais no nível ontológico-existencial. No sentido de que toda mobilidade ôntico-ontológica passa pela dinâmica de reconhecimento. Justamente porque o problema da morte, do destino e do sofrimento entram em cena. 


            A Vontade e os parâmetros éticos

Assim, observamos que o eu psicológico, denominado ego, está intrinsecamente ligado a um outro, uma autoridade que, de certa forma, me constitui. É através desse outro que adquiro identidade, nome, relações parentais, e assim por diante. Além disso, nessa relação com o outro, surge a necessidade de reconhecimento do valor próprio.

Em relação à vontade, conforme descrito por Schopenhauer, ela é uma expressão do mundo em si mesma, atravessando todos os fenômenos. Caracteriza-se por uma racionalidade básica e por um fator, por assim dizer, aleatório. A vontade é, portanto, avessa ou indiferente à natureza humana, embora esta, em grande medida, expresse a vontade. A natureza humana é uma espécie de miniatura da vontade, na qual a vontade pode adquirir outro de seus atributos: a autoconsciência. A vontade é uma força cósmica e plástica que constitui e quer tudo, e tudo se expressa através dela. Ela é, assim, o ser por excelência. Os seres são o que são por serem expressões da Vontade.

A primeira consequência natural de tudo isso é que a vontade não é moral. Portanto, questões como o bem e o mal, o sofrimento humano, a justiça e até mesmo as virtudes, como a necessidade de amar e perdoar, não são questões da vontade. A vontade é indiferente a tudo isso, sendo a moralidade algo estranho a ela, consumida pela humanidade, pois expressa os interesses humanos.

Nesse sentido, há uma espécie de cisão ou diferença entre a vontade e os parâmetros ético-morais, os quais são instituições humanas destinadas a construir e manter as sociedades através de um conjunto de regras de convivência.

Por vezes, as regras de convivência, os parâmetros éticos ou morais não estão alinhados com as minhas inclinações individuais, pois os indivíduos podem ter uma ampla gama de interesses. E o interesse primordial dos indivíduos, como mencionado anteriormente, é o de obter reconhecimento, uma necessidade que transcende a mera preservação. É por essa razão que, por exemplo, algumas pessoas recorrem ao terrorismo ou a atos que as tornem famosas, pois ser famoso (como no caso de Columbine, por exemplo) é ser reconhecido por algo, é ser algo ou alguém. Nesse contexto, o reconhecimento implica necessariamente uma posição oposta à invisibilidade, levando os indivíduos a matar e a morrer em busca de visibilidade.

Este eu, que de certa forma carece da afirmação de um certo outro e, portanto, do reconhecimento, acaba violando princípios fundamentais, sejam eles éticos, morais ou outros, para se validar. Nesse sentido, encontramos uma correlação entre as fantasias que constituem a base operacional do ego, como mencionado anteriormente, e a imperiosidade do reconhecimento.

O ego se funda em parte nessas fantasias e no embate com o outro, persistindo essa relação mesmo em níveis embrionários. Posteriormente, ele busca se expressar a partir desse input fantasioso, orientado por diversas fantasias, como de poder, prazer, conhecimento, entre outras, e busca se reconhecer em um desses horizontes. No entanto, não se trata apenas disso; trata-se da necessidade estrutural de ser algo, alguém, de ser reconhecido e, portanto, de estar em relação com um certo outro. O caráter social do humano abre uma série de portas, mas também as fecha, e oferece uma série de oportunidades de prazer, mas também de desprazer, pois o homem sem o outro parece ser nada. Assim, em busca de sua felicidade e identidade, o homem se movimenta incansavelmente em busca de reconhecimento, o qual carrega consigo um certo traço de alienação em relação ao outro.


 


 Thiago Carvalho

   19 de abril de 2024

NOTA: O texto acima representa uma breve seção de um livro que estou elaborando. Trata-se mais de um esboço do que de um trabalho finalizado, pois ainda não está totalmente pronto. No entanto, gostaria de compartilhá-lo com vocês.



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