Crise do Pensamento: Do Discernimento à Irracionalidade







A filosofia tem sido uma busca constante pela essência de um ente, desde a antiga Grécia até pensadores modernos como Nietzsche. A essência é compreendida como o discernimento de algo, isto é, apreensão de sua essência, que é algo assim como aquilo que participa da fundamentação ou estrutura de um ente[1]; mas na modernidade houve uma crise quanto ao poder da racionalidade humana para determinar a existência de um ser e de compreender a essência do ente [da coisa que tu vês e ouve].

Da modernidade para a pós-modernidade as coisas mudaram de figura em relação ao pensamento antigo. Aquela antiga forma de pensar o ser, isto é, o que dá “integibilidade” ao ente ruiu. Novos parâmetros surgiram! Numa releitura dos fatos históricos, assim como da própria filosofia. Agora, porém, como expressão de uma ideologia. Isto é, de uma construção falsa sobre a realidade. Ancorada por razões políticas.

Esse descontentamento com os rumos da vida social é expressado em movimentos literários como o dadaísmo, surgido no Cabaret Voltaire em Zurique em 1916, que buscava expressar a irracionalidade da época e o descontentamento com a burguesia. Tristan Tzara, um dos fundadores, acreditava que a obra de arte não deveria ser apenas beleza, pois a beleza estaria morta.

O surrealismo, herdeiro do dadaísmo, se concentra na ordem do mundo onírico, ligado ao princípio do prazer, como o delírio acordado e o mundo dos sonhos. Artistas como Salvador Dalí e Luis Buñuel são exemplos de maiores representantes desse movimento que se concentra nos desejos ocultos, afastados pela razão.

O surrealismo nasceu no período de reconstrução após a Primeira Guerra Mundial e crise econômica na Europa. Ao invés de lutar contra a burguesia, o movimento buscava transcender a realidade cotidiana e explorar uma realidade peculiar.

A busca pela essência é constante na história da filosofia, mas na modernidade houve uma crise quanto ao poder da racionalidade humana para determinar a existência de um ser e essência de um ente. Isso é expressado em movimentos literários como o dadaísmo e surrealismo, que buscam transcender a realidade cotidiana e explorar mundos oníricos e irracionais como alternativa aquela visão antiga em que o ser é o racional, o lógico, o linear, o harmonioso, o luminoso.

Em nosso entendimento sobretudo na virada do século XIX para o XX marca um divisor na história. Não mais, assim, temos laços com tudo que veio antes. Agora o importante é remodelar todo o horizonte. No máximo, assim, reapropriar do passado numa nova chave de interpretação de mundo.

Não mais, portanto, reproduzir o que se foi. — Em nosso entendimento isso é crise, isto é, ruptura.

A crise é um tema presente em diversos aspectos da sociedade, sejam eles filosóficos, artísticos, literários, arquitetônicos, políticos e científicos. Isso se deve à ruptura iminente de parâmetros tradicionais de pensamento, racionalidade e sensibilidade.

Daniel Bell foi um sociólogo e intelectual americano, conhecido por suas teorias sobre o fim da ideologia, que foram expostas em sua obra "The End of Ideology" (1960). Bell argumentou que as antigas ideologias, que tem por finalidade mascarar o real substituindo-o pelo ideal, de classe estavam declinando nas sociedades capitalistas e que as velhas divisões políticas entre esquerda e direita já não eram mais suficientes para responder aos problemas contemporâneos. Em vez disso, ele defendeu que a estrutura social era modelada mais por imperativos técnicos e econômicos do que pela ideologia política. No entanto, na sociedade brasileira contemporânea, a ideologia política ainda exerce uma influência significativa nos comportamentos, nas expressões linguísticas e nas decisões políticas.

Além disso, as duas primeiras guerras mundiais, o capitalismo versus o comunismo do século XX e as crises políticas decorrentes destes modelos têm uma grande influência na sociedade atual [embora sejam crises do século XX]. Apesar do capitalismo ter vencido a luta política [queda do muro de Berlin], o debate entre neoliberalismo e progressismo ainda é um problema da crise de nossa época e o mal-estar quanto à ideologia política continua [à medida que ainda trabalhamos com categorias de direita-esquerda].

É importante destacar que a ideologia política é vista por nós como uma simplificação da realidade, mais até que uma falsa consciência, que busca explicar a complexidade do mundo de maneira mais fácil — reduzindo a realidade aos estratos políticos de direta, centro, esquerda. Ou seja, a constructos. Essa simplificação é evidente na adesão irrestrita às ideologias políticas, como a direita ou a esquerda. Em que temos de optar ou por uma, ou pela outra, porque a nossa luta seria contra o mal. Encarnado nas formas políticas.

Além disso, num segundo momento, quando não é simplificadora nem está no horizonte da luta de classes [isto é, como falsa consciência], a ideologia política também é vista como um mecanismo para justificar racionalmente as nossas escolhas e ações no espaço público, como ocorre nas redes sociais. No entanto, essa justificação não precisa ser perfeitamente racional ou coerente, pois a ideologia também serve como um dispositivo para se apresentar ao público. As ações, os comportamentos, os modismos não precisam mais ser justificados racionalmente, porque há todo um aparelho ideológico dando suporte as massas.

No caso de questões polêmicas, como o aborto ou a eutanásia, as respostas são frequentemente dadas com base na ideologia política, o que resulta em um subjetivismo circunstancialista. Ou seja, as questões sobre eutanásia ou aborto não mais passa pelo exame racional, mas se reduz a vontade de grupos. A força social dos grupos é o que está determinado a política. Esse subjetivismo é uma doutrina filosófica que defende que a verdade é a mentira individual, e que cada indivíduo tem sua própria verdade. No entanto, esse relativismo pode impedir o entendimento comum e o consenso. Não há como ninguém concordar com ninguém porque não há parâmetros de realidade[2].

O mundo parece estar em crise, ademais, devido ao relativismo epistemológico, lógico e moral da modernidade, imbricado no que já foi posto, que tem como resultado hoje um secularismo marcado por uma militância antirreligiosa [de fundo, isto é, como resíduo do século XIX]. A unidade se dissolve na efemeridade da experiência e das sensações, que estão ligadas ao estilo de vida no capitalismo. Na filosofia e na filosofia da linguagem, experimentamos a crise como uma crise da linguagem artificial [artificial porque somente numa artificialidade se poderia tomar a multiplicidade como unidade substancial].

Por exemplo, temos na questão da linguagem, o "eu" [identidade existencial] puramente fantasmagórico e sua consistência, ou aparente unidade, é oriunda da linguagem, já que, segundo as ciências naturais e psicológica, o mundo é dinâmico, incerto e impermanente. De modo que toda consistência dos fenômenos é aparente [falsa]. Apesar de não haver “coisa-em-si”, unidades fundamentais, ainda pensamos e agimos frente ao outro e as coisas como se lidássemos com coisa em si.

Neste contexto, a Razão não daria conta de explicar o mundo, restando apenas uma singular ilusão. Não há verdade, nem certezas. Tudo é apenas jogos de linguagem, nomes, categorias mentais e, até mesmo, a vontade de poder, que é o que viabiliza a eternização do efêmero. Por isso, é importante que os pensadores coloquem tudo em questão, até mesmo estes problemas. A realidade, assim, desvanece.  

In summa, filosofia sempre buscou a essência dos seres, mas na modernidade houve uma crise quanto à capacidade da racionalidade humana para determinar a existência de algo [isto é, do ente]. Essa crise é expressa em movimentos literários como o dadaísmo e o surrealismo, que procuram transcender a realidade cotidiana e explorar mundos oníricos e irracionais. A crise é um tema recorrente em diversas áreas da sociedade, devido à ruptura dos parâmetros tradicionais de pensamento, racionalidade e sensibilidade. As guerras mundiais, o capitalismo contra o comunismo e as crises políticas têm uma grande influência na sociedade atual. O mundo parece estar em crise devido ao relativismo epistemológico, lógico e moral da modernidade, o que resulta em um secularismo antirreligioso. Na filosofia e na filosofia da linguagem, experimentamos a crise como uma crise da linguagem artificial, pois a consistência que temos sobre as coisas é uma falsa consistência oriunda da linguagem que substancializa a multiplicidade numa falsa unidade. A razão não é capaz de explicar o mundo, deixando apenas uma ilusão singular. Não há verdades nem certezas, tudo é apenas jogos de linguagem e categorias mentais.

Thiago Carvalho,

Texto de 2023



[1] Por ex., para Aristóteles a essência humana em sentido próprio é sua razão. Além de alma vegetativa e animal o homem tem alma racional – isto é, Logos. Nesse sentido, a essência coincide com a diferença específica, isto é, o que é somente humano. No entanto, a essência diz respeito também aos acidentes do ente individual. Ou diferente de você, assim como você de mim, e nós temos uma essência incomum – talvez você seja mulher, alto, negro, careca, enfim, mas apesar de você ser mulher ou careca, por exemplo, esses acidentes lhe constituem como fundamento, ou seja, como essência.

[2] Tudo se converte em construção social. No qual alguns se sentem mais aptos a mandar nos outros porque imaginam que saber que tudo é constrição social é algo assim como ter a verdade fundamental. A partir dessas padra angular, portanto, se sentem autorizados a imprimir nas massas ou sociedade um formato de humanidade. 




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